Levantar paredes ou futuros? Da tradição ao tech: o desafio de formar a mão de obra na construção civil
- Grupo Alba
- 27 de jun.
- 3 min de leitura

A construção civil voltou a puxar o PIB e não é preciso muito mais do que observar os contornos da capital paraibana ou cidades como Campina Grande e Patos, por exemplo, para entender a pujança e a importância do setor como um todo. No entanto, existe um freio silencioso: escassez de mão de obra. Na última sondagem do FGV IBRE, 82 % das construtoras de todo o país não encontram profissionais qualificados – o maior percentual desde 2012. Na mesma toada, pesquisa com companhias de médio porte mostrou 71 % reclamando da mesma dor. O efeito financeiro já se sente: o INCC-FGV acumula alta de 3,77 % em 12 meses, pressionado por custos de pessoal.
Por que falta mão de obra?
A geração que ergueu os arranha-céus envelheceu, parte migrou para aplicativos e outra parcela não vê atrativo em trabalhar sob o sol nordestino. Paradoxalmente, a tecnologia elevou o padrão exigido: operários precisam ler plantas digitais, dominar drywall ou pilotar drones de topografia, habilidades que não cabem em currículos defasados.
Retrato paraibano
O Observatório Nacional da Indústria projeta a necessidade de qualificar 24 mil trabalhadores no estado da Paraíba em apenas três anos – placas cerâmicas, reboco mecanizado e montagem de estruturas metálicas encabeçam a lista, além dos itens citados acima e todo o conjunto de atividades em um canteiro de obras. Programas locais já sinalizam alguns caminhos: SENAI PB, em parceria com a Constraman, incorporou máquinas de reboco semiautomático aos cursos, enquanto o projeto Soldado-Cidadão formou 20 pedreiros aptos a sair do quartel direto para o mercado de trabalho na construção civil. Além disso, as empresas também estão, cada vez mais e muitas vezes de forma autônoma, promovendo capacitação dos colaboradores como forma de reter talentos, promover aumento de qualidade e produtividade e, claro, aumentar as oportunidades para os trabalhadores.
Os riscos de empilhar tijolo à moda antiga
Para listar os impactos da escassez de mão de obra, principalmente mão de obra qualificada, deve-se pensar a partir da base — jovens pouco atraídos por salários que, embora médios de R$ 3.661, ainda exigem esforço físico sob intempéries — ao topo da cadeia macroeconômica, essa carência pesa com impactos sobre o PIB, inflação e na dinâmica do mercado. Sem novos profissionais, qualificados e engajados, vê-se um aumento no sobretrabalho, na sinistralidade e até a entrega de obras pode ficar comprometida. Na ponta, ou seja, para o consumidor, esse quadro pode encarecer os imóveis e, além disso, corroer as margens já apertadas dessa indústria.
Portanto, é premente industrializar para suavizar a escassez de mão de obra. Já existem, até mesmo em João Pessoa, métodos construtivos capazes de amenizar a dependência de pedreiros e armadores, como o steel frame e construção modular, entre outras tecnologias que erguem lajes em bem menos tempo, liberando mão de obra para fases de acabamentos mais finas – onde a falta é ainda maior.
A rede ativa de capacitação
É aqui que a Paraíba pode inovar. Creio que podemos discutir uma proposta de um consórcio permanente entre Senai, Sinduscon-PB, universidades, escolas profissionalizantes e grandes construtoras, tendo como exemplo, mas adaptado à realidade paraibana, o modelo paulista de “Qualificação nos Canteiros”, capaz de formar profissionais em até 80 horas, e já testado com sucesso em cursos de revestimento e armadura. A rede incluiria:
Fábricas-escola dentro de obras-piloto, onde o turnover acontece na sala de aula e não no cronograma da torre.
Voucher de curso vinculado a cada alvará de construção: quanto maior a metragem licenciada, mais vagas de capacitação a empresa financia.
Trilhas digitais para jovens em ensino médio técnico, com ênfase em BIM — Building Information Modeling, ou Modelagem da Informação da Construção, processo que integra todos os dados do projeto em um modelo 3D colaborativo, drones e gestão de resíduos.
Convidar quem ficou de fora
Mulheres respondem por apenas 6 % da mão de obra na construção nacional; incluir esse potencial pode ajudar a fechar o buraco de talento e injetar diversidade em soluções de obra. O mesmo vale para refugiados já acolhidos no Nordeste, que encontram na construção uma porta de entrada econômica.
Se nada for feito, a Paraíba corre o risco de ver gruas paradas por falta de profissionais, justamente quando o mercado imobiliário vive um dos ciclos mais promissores das últimas décadas. Mas a escassez não é destino: ela pode ser superada pela mescla de industrialização inteligente e uma rede de qualificação viva, contínua, abraçada por todos os atores do setor. Quando os canteiros virarem salas de aula, não faltará quem erga os próximos andares do nosso desenvolvimento.